segunda-feira, 28 de março de 2016

Capítulo 01

Três horas da manhã, diz o relógio pendurado na parede bege atrás da balconista, os seus olhos lacrimejavam devido ao sono do momento, mas agora poderia tirar pelo menos um cochilo decente em uma cama ao invés de sentado num banco duro de um ônibus.

- Aqui está, Dante Sanches, reserva antecipada por Walter Correia.

- Isso mesmo. – disse ele enquanto olhava discretamente o local a sua volta.

- Esta é a chave do seu quarto – ela o entregou a chave e olhou em seguida para um rapaz meio pardo que parece ter se transportado de forma sorrateira para o lado dele, pegando assim as suas malas, ele o seguiu em direção ao aposento. 

Ao entrar no quarto, Dante colocou suas bagagens no canto da parede e foi direto para a cama, o clima quente do lugar nem fazia necessária a utilização de coberta ou edredom, realmente Duque de Caxias era mais quente do que o clima de São Paulo, mesmo tirando a camisa o calor era incomodo, porém era aquela uma consequência que ele deveria relevar tendo em vista que aquele local em si deveria ser temporário, ele deveria agir de maneira rápida, pois não tinha intenção de viver em uma pousada, porém os seus pensamentos foram afastados assim que foi vencido pelo forte sono.

Seis da manhã e ele já estava de pé, havia tomado um banho gelado na tentativa de se refrescar do mormaço forte, se trocou e abriu uma de suas malas, pegando três itens, uma foto de família da qual ele fitou por alguns segundos, um pen drive e uma carta que ele simplesmente pegou e dobrou para por no bolso, colocando a foto no outro bolso de sua calça de forma que não poderia ser amassada.

O ponto estava semi cheio, e ele se informou do endereço que procurava para as pessoas ali, recebendo a informação de qual ônibus deveria pegar, após uns dez minutos aguardando, o ônibus chegou. 

Era uma cidade bonita, parecia agradável de se viver, afinal ele pretendia passar alguns anos ali, ele retirou a carta do bolso e encarou o logotipo do remetente, clínica Vital, era esse o lugar que procurava, o endereço já tinha até gravado em sua memória, ele pediu para o cobrador avisar quando chegasse próximo  da clínica, e passado alguns minutos ele deu sinal e desceu do ônibus, já era possível ver a clínica da onde ele estava, era relativamente grande para um clínica de estética qualquer, era bem apresentável, Dante indagou várias possibilidades quando viu o lugar e foi caminhando do outro lado da rua. 

Chegando mais perto Dante entrou em uma lanchonete que dava quase de frente ao hall de entrada da clínica, ele se sentou e pediu o seu café, pois havia sido cedo da pousada sem comer nada, o garçom trouxe o seu pedido e ele continuou ali após terminar, aquele seria o seu quartel general, poderia ficar o dia inteiro ali se fosse necessário, afinal só começaria sua nova escola na segunda-feira e seria no horário noturno, então ele podia se focar ali, pois precisaria de mais informações antes de ir para a ação.

Por volta das sete e vinte da manhã, um carro branco, do ano, e visivelmente caro adentrou o estacionamento, chamando assim a atenção do Dante, quando foi passar na catraca para abrir a cancela, uma mulher ruiva, aparentando ter faixa de uns trinta e cinco anos, bonita, colocou parte do corpo para fora da janela do carro para colocar o seu cartão, Dante olhou atentamente para a mulher sem desviar a atenção, somente quando ela entrou de vez com o carro que ele voltou em si retirando do bolso a foto, ele a encarou, na foto estava sua mãe Verônica, que o segurava no colo tendo ele seus quase três anos de idade, do lado esquerdo dela estava o seu pai, Caleb, entre ele e Verônica, estava o seu irmão, de cinco anos de idade, e do outro lado de Verônica estava a sua única irmã que era mais nova que ela, jovem, ruiva, bonita, na faixa dos seus vinte e um anos, Júlia.

Quando deu meio dia e meia o carro em questão saiu do estacionamento, e como havia um ponto de taxi do outro lado da rua, Dante entrou em um, pedindo para seguir aquele carro branco de maneira sutil, para não levantar suspeitas, após menos de dez minutos, o carro parou em frente uma bela casa, grande, mas não como uma mansão, mesmo assim era explícito o seu valor. Ela saiu do carro, estava bem vestida, com uma saia preta e uma blusa bege que deixava seus ombros expostos, ela levantou o óculos e Dante pôde ver melhor o rosto dela, estando ele parado numa esquina próxima a casa, ela entrou no imóvel enquanto ele ficou ali aguardando, após uns vinte minutos dois adolescentes apareceram e entraram na casa, uma menina que aparentava ter a mesma idade que o Dante e um garoto mais comprido, talvez um ou dois anos mais velho que ele. Passada uma hora ela voltou aparecer entrando no carro e partindo, fazendo assim o motorista do táxi a voltar a ligar o motor e como Dante suspeitava, eles voltaram para a clínica.

Era cerca de quatro horas da tarde, o carro não saiu de novo e Dante já tinha almoçado ali, na lanchonete, o mesmo lugar em que tomou o seu café da manhã, ele olhou no relógio meio apreensivo, não porque tinha hora marcada, mas porque ele devia finalmente dar o próximo passo, ele se levantou do banco em que estava e atravessou a rua indo em direção ao hall de entrada.

O lugar era bonito, sentiu um certo arrepio mas era devido ao ar condicionado do local, a recepção se encontrava um pouco vazia, tendo somente três pessoas no banco de espera, ele olhou em volta do local como se procurasse algo e então foi até a recepcionista do lugar.

- Boa tarde.

- Boa tarde, em que posso ajudar? – Ele se aproximou mais do balcão como se não quisesse que as outras pessoas ali soubessem do assunto.

- Eu gostaria de saber se a Júlia trabalha aqui.

- Quer dizer..a Doutora Júlia?

“Doutora Júlia?” pensou ele, ela é doutora então? Sua tia havia virado médica? Era uma informação nova.

- Sim, ela se encontra?

- É referente a alguma consulta?

- Não, diz que é o sobrinho dela, o Dereck que está aqui. – a moça demonstrou uma certa indagação como resposta, mas imediatamente assentiu com a cabeça e telefonou para o ramal da outra sala.

- Doutora Júlia... o seu sobrinho Dereck está aqui pra falar com a senhora. - Geralmente numa conversa telefônica profissional, as respostas são imediatas, ainda mais quando o assunto envolve também família, algo que deve ser visto de modo afetuoso, porém parece que a resposta foi o silêncio – Doutora? - Dante tinha um olhar tranquilo porém parecia estar elétrico por dentro – bem.. – a recepcionista expressava um certo nervosismo em sua conduta – Quantos anos você tem?

Dante sentiu uma leve vontade de rir por dentro, mas se conteve.

- Tenho dezessete.

- Dezessete anos, doutora... bem – ela colocou a mão próximo a boca como se não quisesse que ele a ouvisse -  castanho claro, se veste bem, boa aparência.. e-está bem senhora. Aguarde um momento que ela já vai descer para atendê-lo.

- Ok, obrigado.

Dante se virou e foi em direção aos bancos, uma senhora que estava sentada no aguardo, o encarava de forma descarada, como se tivesse ouvido toda conversa e não entendia o que se passava, ele porém apenas ignorou respirando um pouco mais pesado do que antes, era agora ou nunca.

Passado cerca de quinze minutos, Dante já estava se sentindo receoso, ainda mais pelo fato de agora estar só ele e a senhora no local, que parecia tentar lê-lo a qualquer custo, até que finalmente a porta balcão que se encontrava um pouco mais a frente se abre, fazendo assim uma mulher com semblante sério passar por ela, porém quando chegou na ala em que estava, vendo que ele não estava sozinho ela abriu um sorriso indo até ele, que se levantou no momento em que ela se aproximou.

- Dereck, mas que surpresa! – Disse ela com um sorriso animado no rosto o puxando para um abraço, que ele retribui na mesma forma.

- Estava com saudades. – disse ele olhando diretamente em seus olhos e por um momento era como se o riso dela tentasse se apagar, mas aquele não era o momento certo para isso.

- Vamos..vem comigo.

Júlia se virou e passou a andar o mesmo caminho que havia feito segundos atrás e Dante apenas a seguiu. Ao passarem pela porta balcão o silêncio do lugar tomou conta, eles subiram as escadas sem pronunciar uma só palavra, e mesmo de costa, Dante sabia que Júlia já havia encerrado o sorriso de antes.

- Vire à direita, nº 10. – disse ela ainda de costas virando para a esquerda com certa indiferença na voz, mas conforme orientado, Dante virou a direita e logo a frente viu uma sala de número 10 e então abriu a porta, estava escura então ele acendeu a luz, era uma sala grande com uma boa decoração, ele encostou a porta atrás de si e passou a andar pela sala, as paredes eram cinza claro, havia uma estante com bastante livros e na mesa a sua frente alguns papéis, computador, e uma foto, ela abraçada a um homem, ele sabia quem ele era, não tinha lembrança alguma dele, mas sabia de algo, era o marido de Júlia, quando tudo aconteceu eles eram apenas namorados, é o que dizem.

A porta se abriu logo atrás fazendo com que ele colocasse o porta retrato de volta na mesa, se virando em seguida para ela, que não manifestou uma única palavra até se sentar na sua cadeira confortável e aparentemente “arrumar o porta retratos que estava numa posição errada”.

- Preciso confessar que estou surpresa, e eu sou difícil de se surpreender – disse querendo rir enquanto Dante a encarava de maneira séria em frente a sua mesa. – o que pretendia em se apresentar aqui como o seu irmão morto? – ela finalmente riu – eu não acredito em fantasmas, Dante.

- Com certeza não.

- Por acaso pensou que eu não atenderia se falasse que era você?

- E atenderia? – Júlia fechou o semblante como se tivesse enojada.

- O que está fazendo aqui?

Dante olhou para trás e viu uma cadeira vazia e se sentou, como se estivesse cansado após participar de uma corrida, e então a olhou nos olhos.

- Preciso de um lugar pra ficar, vim morar com você.

Júlia se desencostou da cadeira se inclinando pra frente enquanto ria como se ouvisse a piada mais engraçada de todas, Dante apenas a encarava já imaginando o que tinha por vir.

- Você acha que eu tenho cara do que? Freira de orfanato? – voltou a dar risada do garoto a sua frente que tinha um expressão insondável – volte pra casa dos seus pais, garoto.

- Não tenho mais pais.

- Estou falando dos adotivos – disse de maneira esnobe.

- Eu também – ele franziu o cenho de maneira nervosa. – não tem ninguém em casa, NINGUÉM!
Júlia voltou a se encostar na cadeira encarando Dante por pouquíssimos segundos.

- O que aprontou dessa vez, Dante? – Disse com ar de curiosidade.

- Eu? – Ele se levantou da cadeira respirando fundo. – Lembra-se da Úrsula? Minha mãe adotiva da qual você rejeitou a carta? – Ela fez um gesto com o olhar como sinal para ele continuar. - ela está morta!

- Que? – disse rindo de forma descrente.

- Qual o seu problema, hein? – Dante se aproximou da mesa apoiando suas mãos nela – EU VIVI O INFERNO NAQUELA CASA, POR CULPA SUA!

- Como é?

- OLHA.. O PEDRO ESTÁ NA CADEIA AGORA, E SABE POR QUÊ? – ele tentou controlar o tom de voz pois aquilo não era fácil de dizer – pelo fato de estuprar o seu filho adotivo.

- Você..você? – Júlia colocou a mão na boca não acreditando  – Mas... – ela mexia a mão no ar como se procura-se uma resposta -  o que eu tenho a ver com isso?

- PRESTA ATENÇÃO AQUI, TITIA... – Dante se aproximou dela dando a volta na mesa fazendo ela levantar da cadeira em que estava – eu nem ao menos te conheço, mas se tem uma pessoa que eu não gosto é você.. você.. – ele tinha até asno em citá-la - VOCÊ ME LARGOU NUM ORFANATO AOS TRÊS ANOS DE IDADE E POR SUA CULPA EU FUI ADOTADO POR UM LOUCO QUE ME ABUSOU POR ANOS ATÉ FINALMENTE SER PRESO E A ÚNICA PESSOA QUE AINDA SE IMPORTAVA MORREU POR DEPRESSÃO... SE VOCÊ TIVESSE PELO MENOS UM POUCO DE CONSCIÊNCIA..

- CALA A BOCA! – gritou ela também de forma irritada - VOCÊ ACHA QUE PODE CHEGAR NA MINHA CLÍNICA E FICAR FAZENDO ESCANDÂLO? QUER SABER? EU NÃO QUERIA COMPROMETER A MINHA VIDA PARA CUIDAR DE UMA CRIANÇA, EU NEM CASADA ERA, NÃO IA ASSUMIR ISSO..

- MAS AGORA VOCÊ É.. – disse ele a segurando pelos ombros e a pressionando na parede, ele era uns dois dedos mais alto do que ela, e mesmo com apenas quinze anos ele já tinha força para fazer aquilo, seu corpo chegava a tremer devido a raiva que sentia ao falar tudo aquilo. – Eu não vou pra São Paulo titia, você é minha única parente viva..

- SAI DAQUI – Júlia deu um belo de um empurrão no Dante fazendo ele ir pra trás e assim saindo de perto dele – EU NÃO SOU OBRIGADA A NADA, ESTÁ OUVINDO? A VIDA É MINHA E EU NÃO QUERO VOCÊ NELA..

- O QUE É ISSO AQUI?

Uma voz grossa e alta ecoou pela sala fazendo tanto Júlia como Dante olharem para a porta.

- A-Augusto..não é nada..

- Quem é você? – disse ele para o garoto ignorando a Júlia.

- Eu já disse que não é nada.

- FIQUE QUIETA JÚLIA! – Júlia olhou para o chão como se estivesse detestando aquela humilhação. – EU PERGUNTEI QUEM É VOCÊ, QUE ESCÂNDALO É ESSE NA MINHA CLÍNICA?

Obviamente aquela clínica não pertencia a Júlia, isso só confirmava os fatos, mas o fato de ter que falar tudo de novo causava até repulsa no Dante.

- Acho que se lembra de mim mais do que eu de você.

- Do que está falando? – disse de maneira séria sem paciência.

- Sou o Dante, sobrinho da sua digníssima esposa – disse com ironia - ouvi falar que você foi com ela me botar no orfanato a doze anos atrás... acontece que a família que me adotou não foi tão boa assim, minha mãe adotiva está morta e o marido dela finalmente foi preso após anos e anos me abusando dentro de casa... eu só tenho ela de parente – disse apontando para a Júlia – minha mãe acabou de morrer e eu não vou voltar para aquela casa.. – Dante parecia a ponto de um colapso, ele abaixou a cabeça esfregando a sua mão no rosto – aqui está. – ele tirou do bolso o pen drive e estendeu a mão para o Augusto que pegou o objeto receoso. – Aí estão as provas de tudo o que estou falando. – Júlia olhava para Augusto como se estivesse gritando um não bem grande.

- Você..sinto muito – Dante não respondeu, continuou olhando pro chão recuperando um pouco do ar. – Preciso conversar a sós com sua tia.

Dante saiu da sala, passou pelo corredor e ficou sentado numa cadeira em uma parte para os pacientes aguardarem, ele encostou sua cabeça na parede como se ela carregasse o peso do mundo inteiro. Passado cerca de uma hora e meia depois, ele já tinha quase que tomado toda a água do bebedouro, finalmente alguém saiu daquela sala e foi em direção a ele.


- Dante! – ele levantou o olhar o encarando – vem comigo, vamos pegar suas coisas, você vai ficar conosco.

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