Três horas da manhã, diz o relógio pendurado na parede bege
atrás da balconista, os seus olhos lacrimejavam devido ao sono do momento, mas
agora poderia tirar pelo menos um cochilo decente em uma cama ao invés de
sentado num banco duro de um ônibus.
- Aqui está, Dante Sanches, reserva antecipada por Walter
Correia.
- Isso mesmo. – disse ele enquanto olhava discretamente o
local a sua volta.
- Esta é a chave do seu quarto – ela o entregou a chave e
olhou em seguida para um rapaz meio pardo que parece ter se transportado de
forma sorrateira para o lado dele, pegando assim as suas malas, ele o seguiu em
direção ao aposento.
Ao entrar no quarto, Dante colocou suas bagagens no canto
da parede e foi direto para a cama, o clima quente do lugar nem fazia necessária
a utilização de coberta ou edredom, realmente Duque de Caxias era mais quente
do que o clima de São Paulo, mesmo tirando a camisa o calor era incomodo, porém
era aquela uma consequência que ele deveria relevar tendo em vista que aquele
local em si deveria ser temporário, ele deveria agir de maneira rápida, pois
não tinha intenção de viver em uma pousada, porém os seus pensamentos foram
afastados assim que foi vencido pelo forte sono.
Seis da manhã e ele já estava de pé, havia tomado um banho
gelado na tentativa de se refrescar do mormaço forte, se trocou e abriu uma de
suas malas, pegando três itens, uma foto de família da qual ele fitou por
alguns segundos, um pen drive e uma carta que ele simplesmente pegou e dobrou
para por no bolso, colocando a foto no outro bolso de sua calça de forma que
não poderia ser amassada.
O ponto estava semi cheio, e ele se informou do endereço que
procurava para as pessoas ali, recebendo a informação de qual ônibus deveria
pegar, após uns dez minutos aguardando, o ônibus chegou.
Era uma cidade bonita,
parecia agradável de se viver, afinal ele pretendia passar alguns anos ali, ele
retirou a carta do bolso e encarou o logotipo do remetente, clínica Vital, era esse o lugar que procurava, o endereço já tinha
até gravado em sua memória, ele pediu para o cobrador avisar quando chegasse
próximo da clínica, e passado alguns
minutos ele deu sinal e desceu do ônibus, já era possível ver a clínica da onde
ele estava, era relativamente grande para um clínica de estética qualquer, era
bem apresentável, Dante indagou várias possibilidades quando viu o lugar e foi
caminhando do outro lado da rua.
Chegando mais perto Dante entrou em uma
lanchonete que dava quase de frente ao hall de entrada da clínica, ele se
sentou e pediu o seu café, pois havia sido cedo da pousada sem comer nada, o
garçom trouxe o seu pedido e ele continuou ali após terminar, aquele seria o
seu quartel general, poderia ficar o dia inteiro ali se fosse necessário,
afinal só começaria sua nova escola na segunda-feira e seria no horário
noturno, então ele podia se focar ali, pois precisaria de mais informações
antes de ir para a ação.
Por volta das sete e vinte da manhã, um carro branco, do
ano, e visivelmente caro adentrou o estacionamento, chamando assim a atenção do
Dante, quando foi passar na catraca para abrir a cancela, uma mulher ruiva,
aparentando ter faixa de uns trinta e cinco anos, bonita, colocou parte do corpo
para fora da janela do carro para colocar o seu cartão, Dante olhou atentamente
para a mulher sem desviar a atenção, somente quando ela entrou de vez com o
carro que ele voltou em si retirando do bolso a foto, ele a encarou, na foto
estava sua mãe Verônica, que o segurava no colo tendo ele seus quase três anos
de idade, do lado esquerdo dela estava o seu pai, Caleb, entre ele e Verônica,
estava o seu irmão, de cinco anos de idade, e do outro lado de Verônica estava
a sua única irmã que era mais nova que ela, jovem, ruiva, bonita, na faixa dos
seus vinte e um anos, Júlia.
Quando deu meio dia e meia o carro em questão saiu do
estacionamento, e como havia um ponto de taxi do outro lado da rua, Dante
entrou em um, pedindo para seguir aquele carro branco de maneira sutil, para
não levantar suspeitas, após menos de dez minutos, o carro parou em frente uma
bela casa, grande, mas não como uma mansão, mesmo assim era explícito o seu
valor. Ela saiu do carro, estava bem vestida, com uma saia preta e uma blusa
bege que deixava seus ombros expostos, ela levantou o óculos e Dante pôde ver
melhor o rosto dela, estando ele parado numa esquina próxima a casa, ela entrou
no imóvel enquanto ele ficou ali aguardando, após uns vinte minutos dois
adolescentes apareceram e entraram na casa, uma menina que aparentava ter a
mesma idade que o Dante e um garoto mais comprido, talvez um ou dois anos mais
velho que ele. Passada uma hora ela voltou aparecer entrando no carro e
partindo, fazendo assim o motorista do táxi a voltar a ligar o motor e como
Dante suspeitava, eles voltaram para a clínica.
Era cerca de quatro horas da tarde, o carro não saiu de novo
e Dante já tinha almoçado ali, na lanchonete, o mesmo lugar em que tomou o seu
café da manhã, ele olhou no relógio meio apreensivo, não porque tinha hora
marcada, mas porque ele devia finalmente dar o próximo passo, ele se levantou
do banco em que estava e atravessou a rua indo em direção ao hall de entrada.
O lugar era bonito, sentiu um certo arrepio mas era devido
ao ar condicionado do local, a recepção se encontrava um pouco vazia, tendo
somente três pessoas no banco de espera, ele olhou em volta do local como se
procurasse algo e então foi até a recepcionista do lugar.
- Boa tarde.
- Boa tarde, em que posso ajudar? – Ele se aproximou mais do
balcão como se não quisesse que as outras pessoas ali soubessem do assunto.
- Eu gostaria de saber se a Júlia trabalha aqui.
- Quer dizer..a Doutora Júlia?
“Doutora Júlia?” pensou ele, ela é doutora então? Sua tia
havia virado médica? Era uma informação nova.
- Sim, ela se encontra?
- É referente a alguma consulta?
- Não, diz que é o sobrinho dela, o Dereck que está aqui. –
a moça demonstrou uma certa indagação como resposta, mas imediatamente assentiu
com a cabeça e telefonou para o ramal da outra sala.
- Doutora Júlia... o seu sobrinho Dereck está aqui pra falar
com a senhora. - Geralmente numa conversa telefônica profissional, as respostas
são imediatas, ainda mais quando o assunto envolve também família, algo que
deve ser visto de modo afetuoso, porém parece que a resposta foi o silêncio –
Doutora? - Dante tinha um olhar tranquilo porém parecia estar elétrico por
dentro – bem.. – a recepcionista expressava um certo nervosismo em sua conduta
– Quantos anos você tem?
Dante sentiu uma leve vontade de rir por dentro, mas se
conteve.
- Tenho dezessete.
- Dezessete anos, doutora... bem – ela colocou a mão próximo
a boca como se não quisesse que ele a ouvisse -
castanho claro, se veste bem, boa aparência.. e-está bem senhora.
Aguarde um momento que ela já vai descer para atendê-lo.
- Ok, obrigado.
Dante se virou e foi em direção aos bancos, uma senhora que
estava sentada no aguardo, o encarava de forma descarada, como se tivesse
ouvido toda conversa e não entendia o que se passava, ele porém apenas ignorou
respirando um pouco mais pesado do que antes, era agora ou nunca.
Passado cerca de quinze minutos, Dante já estava se sentindo
receoso, ainda mais pelo fato de agora estar só ele e a senhora no local, que
parecia tentar lê-lo a qualquer custo, até que finalmente a porta balcão que se
encontrava um pouco mais a frente se abre, fazendo assim uma mulher com semblante
sério passar por ela, porém quando chegou na ala em que estava, vendo que ele
não estava sozinho ela abriu um sorriso indo até ele, que se levantou no
momento em que ela se aproximou.
- Dereck, mas que surpresa! – Disse ela com um sorriso
animado no rosto o puxando para um abraço, que ele retribui na mesma forma.
- Estava com saudades. – disse ele olhando diretamente em
seus olhos e por um momento era como se o riso dela tentasse se apagar, mas
aquele não era o momento certo para isso.
- Vamos..vem comigo.
Júlia se virou e passou a andar o mesmo caminho que havia
feito segundos atrás e Dante apenas a seguiu. Ao passarem pela porta balcão o
silêncio do lugar tomou conta, eles subiram as escadas sem pronunciar uma só
palavra, e mesmo de costa, Dante sabia que Júlia já havia encerrado o sorriso
de antes.
- Vire à direita, nº 10. – disse ela ainda de costas virando
para a esquerda com certa indiferença na voz, mas conforme orientado, Dante
virou a direita e logo a frente viu uma sala de número 10 e então abriu a
porta, estava escura então ele acendeu a luz, era uma sala grande com uma boa
decoração, ele encostou a porta atrás de si e passou a andar pela sala, as
paredes eram cinza claro, havia uma estante com bastante livros e na mesa a sua
frente alguns papéis, computador, e uma foto, ela abraçada a um homem, ele
sabia quem ele era, não tinha lembrança alguma dele, mas sabia de algo, era o
marido de Júlia, quando tudo aconteceu eles eram apenas namorados, é o que
dizem.
A porta se abriu logo atrás fazendo com que ele colocasse o
porta retrato de volta na mesa, se virando em seguida para ela, que não
manifestou uma única palavra até se sentar na sua cadeira confortável e
aparentemente “arrumar o porta retratos que estava numa posição errada”.
- Preciso confessar que estou surpresa, e eu sou difícil de
se surpreender – disse querendo rir enquanto Dante a encarava de maneira séria
em frente a sua mesa. – o que pretendia em se apresentar aqui como o seu irmão
morto? – ela finalmente riu – eu não acredito em fantasmas, Dante.
- Com certeza não.
- Por acaso pensou que eu não atenderia se falasse que era
você?
- E atenderia? – Júlia fechou o semblante como se tivesse enojada.
- O que está fazendo aqui?
Dante olhou para trás e viu uma cadeira vazia e se sentou,
como se estivesse cansado após participar de uma corrida, e então a olhou nos
olhos.
- Preciso de um lugar pra ficar, vim morar com você.
Júlia se desencostou da cadeira se inclinando pra frente
enquanto ria como se ouvisse a piada mais engraçada de todas, Dante apenas a
encarava já imaginando o que tinha por vir.
- Você acha que eu tenho cara do que? Freira de orfanato? –
voltou a dar risada do garoto a sua frente que tinha um expressão insondável –
volte pra casa dos seus pais, garoto.
- Não tenho mais pais.
- Estou falando dos adotivos – disse de maneira esnobe.
- Eu também – ele franziu o cenho de maneira nervosa. – não
tem ninguém em casa, NINGUÉM!
Júlia voltou a se encostar na cadeira encarando Dante por
pouquíssimos segundos.
- O que aprontou dessa vez, Dante? – Disse com ar de
curiosidade.
- Eu? – Ele se levantou da cadeira respirando fundo. –
Lembra-se da Úrsula? Minha mãe adotiva da qual você rejeitou a carta? – Ela fez
um gesto com o olhar como sinal para ele continuar. - ela está morta!
- Que? – disse rindo de forma descrente.
- Qual o seu problema, hein? – Dante se aproximou da mesa
apoiando suas mãos nela – EU VIVI O INFERNO NAQUELA CASA, POR CULPA SUA!
- Como é?
- OLHA.. O PEDRO ESTÁ NA CADEIA AGORA, E SABE POR QUÊ? – ele
tentou controlar o tom de voz pois aquilo não era fácil de dizer – pelo fato de
estuprar o seu filho adotivo.
- Você..você? – Júlia colocou a mão na boca não acreditando – Mas... – ela mexia a mão no ar como se
procura-se uma resposta - o que eu tenho
a ver com isso?
- PRESTA ATENÇÃO AQUI, TITIA... – Dante se aproximou dela
dando a volta na mesa fazendo ela levantar da cadeira em que estava – eu nem ao
menos te conheço, mas se tem uma pessoa que eu não gosto é você.. você.. – ele
tinha até asno em citá-la - VOCÊ ME LARGOU NUM ORFANATO AOS TRÊS ANOS DE IDADE
E POR SUA CULPA EU FUI ADOTADO POR UM LOUCO QUE ME ABUSOU POR ANOS ATÉ
FINALMENTE SER PRESO E A ÚNICA PESSOA QUE AINDA SE IMPORTAVA MORREU POR DEPRESSÃO...
SE VOCÊ TIVESSE PELO MENOS UM POUCO DE CONSCIÊNCIA..
- CALA A BOCA! – gritou ela também de forma irritada - VOCÊ
ACHA QUE PODE CHEGAR NA MINHA CLÍNICA E FICAR FAZENDO ESCANDÂLO? QUER SABER? EU
NÃO QUERIA COMPROMETER A MINHA VIDA PARA CUIDAR DE UMA CRIANÇA, EU NEM CASADA
ERA, NÃO IA ASSUMIR ISSO..
- MAS AGORA VOCÊ É.. – disse ele a segurando pelos ombros e
a pressionando na parede, ele era uns dois dedos mais alto do que ela, e mesmo
com apenas quinze anos ele já tinha força para fazer aquilo, seu corpo chegava
a tremer devido a raiva que sentia ao falar tudo aquilo. – Eu não vou pra São
Paulo titia, você é minha única parente viva..
- SAI DAQUI – Júlia deu um belo de um empurrão no Dante
fazendo ele ir pra trás e assim saindo de perto dele – EU NÃO SOU OBRIGADA A
NADA, ESTÁ OUVINDO? A VIDA É MINHA E EU NÃO QUERO VOCÊ NELA..
- O QUE É ISSO AQUI?
Uma voz grossa e alta ecoou pela sala fazendo tanto Júlia
como Dante olharem para a porta.
- A-Augusto..não é nada..
- Quem é você? – disse ele para o garoto ignorando a Júlia.
- Eu já disse que não é nada.
- FIQUE QUIETA JÚLIA! – Júlia olhou para o chão como se
estivesse detestando aquela humilhação. – EU PERGUNTEI QUEM É VOCÊ, QUE
ESCÂNDALO É ESSE NA MINHA CLÍNICA?
Obviamente aquela clínica não pertencia a Júlia, isso só
confirmava os fatos, mas o fato de ter que falar tudo de novo causava até
repulsa no Dante.
- Acho que se lembra de mim mais do que eu de você.
- Do que está falando? – disse de maneira séria sem
paciência.
- Sou o Dante, sobrinho da sua digníssima esposa – disse com
ironia - ouvi falar que você foi com ela me botar no orfanato a doze anos
atrás... acontece que a família que me adotou não foi tão boa assim, minha mãe
adotiva está morta e o marido dela finalmente foi preso após anos e anos me
abusando dentro de casa... eu só tenho ela de parente – disse apontando para a Júlia
– minha mãe acabou de morrer e eu não vou voltar para aquela casa.. – Dante
parecia a ponto de um colapso, ele abaixou a cabeça esfregando a sua mão no
rosto – aqui está. – ele tirou do bolso o pen drive e estendeu a mão para o
Augusto que pegou o objeto receoso. – Aí estão as provas de tudo o que estou
falando. – Júlia olhava para Augusto como se estivesse gritando um não bem
grande.
- Você..sinto muito – Dante não respondeu, continuou olhando
pro chão recuperando um pouco do ar. – Preciso conversar a sós com sua tia.
Dante saiu da sala, passou pelo corredor e ficou sentado
numa cadeira em uma parte para os pacientes aguardarem, ele encostou sua cabeça
na parede como se ela carregasse o peso do mundo inteiro. Passado cerca de uma
hora e meia depois, ele já tinha quase que tomado toda a água do bebedouro,
finalmente alguém saiu daquela sala e foi em direção a ele.
- Dante! – ele levantou o olhar o encarando – vem comigo,
vamos pegar suas coisas, você vai ficar conosco.
Extremamente bom o jeito que vcs incorporam a idéia é fantástico
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